domingo, 31 de agosto de 2014

A história da heroína Joana d'Arc

Os franceses comemoram os 600 anos de Joana d'Arc. Veja o que há de verdade e mito nesse personagem

Acredite se quiser. Vivendo em um pequeno vilarejo, pastora religiosa, pobre e virgem ouve vozes de santos dizendo que ela tem uma missão divina: libertar a França de uma guerra que já durava quase um século. Ela convence um nobre a levá-la à presença do rei, a quem revela sua missão numa conversa a sós e ganha dele um exército de 7 mil homens. Depois de muitas vitórias e algumas derrotas, é capturada pelo inimigo, acusada de bruxaria e queimada viva. Sua morte a transforma em mártir, séculos depois ela vira santa e uma das padroeiras de seu país. Se essa história convenceu você, saiba que não está sozinho. Nos últimos 500 anos, é essa a versão oficial contada aos franceses sobre Joana d'Arc, a Pucelle, ou Donzela, que ajudou a libertar seu país da terrível Guerra dos Cem Anos, contra a Inglaterra. Estudos recentes, em número cada vez maior, vêm desacreditando o mito que transformou Joana em libertadora durante a vida e em símbolo nacional a partir do século 19.
Os franceses comemoram o 600º aniversário da Donzela no dia 6 de janeiro. Mas até sua data de nascimento, em Dom Remy, na região de Lorena, é coberta de imprecisões. Oficialmente, a data vem de seu depoimento aos inquisidores em 1431, ainda que ela tenha sido bastante imprecisa: "Ao que me parece, tenho por volta de 19 anos". Sua amiga de infância, Hauviette, nascida em 1410, afirmava que Joana era 3 ou 4 anos mais velha do que ela. Alguns cronistas dizem que, ao se encontrar com o rei, em 1428, Joana teria dito que tinha 21 anos. Parece confuso? Bom, estamos celebrando 600 anos de Joana d'Arc, mas ela deve ter nascido em 1407 ou 1408. Para piorar, na época o calendário utilizado era o Juliano, cujo ano tinha duração variável (podia ter 330 ou mais de 400 dias) e começava na Páscoa.
Qualquer que tenha sido sua idade, a história de Joana marca um período em que o próprio reino da França esteve ameaçado. Ela viveu na fase final da Guerra dos Cem Anos, o maior conflito europeu da Idade Média (veja na página ao lado). Na história oficial, à frente de seu exército, a pastora liberta a cidade de Orleans após ser ferida em batalha e recusar as ordens de retirada.
Queimada viva
Depois, cavalgou por 11 dias escoltando o delfim, o futuro rei da França, Carlos, à Catedral de Reims, onde ele foi coroado, em 17 de julho de 1429. As vozes que ouvia seriam de são Miguel, santa Margarida e santa Catarina, com instruções divinas para a reconquista da França. Foi seguindo as vozes que, contra a vontade do rei - então em negociações secretas para selar a paz com os ingleses - partiu para a tomada de Paris, seguida por 9 mil soldados. Ferida por uma flecha que atravessou sua coxa, foi obrigada a recuar. Mas meses depois organizou seu próprio exército, participou de expedições punitivas e libertou várias cidades, até cair prisioneira durante o cerco de Compiègne. Vendida aos ingleses, foi condenada por heresia e bruxaria e queimada viva em Rouen, o quartel-general das forças invasoras. Em 1455, anos depois do fim da guerra, Joana foi reabilitada por um novo tribunal da Inquisição - considerada inocente e elevada à categoria de mártir. Em 1920, virou santa, devido a milagres ocorridos no século 19, e não por seus feitos militares ou seu papel de porta-voz divina. Dois anos depois, tornou-se uma das padroeiras da França.
Desde o século 19, duas correntes, relegadas pela historiografia oficial, tentam dar sentido ao mito de Joana d'Arc: os bastardistas e os sobrevivistas. Para os bastardistas, Joana seria a filha da rainha Isabela com o cunhado, o duque Luís de Orleans, notório amante da monarca. O rei Carlos 4º tinha ataques de loucura de tal magnitude que ele era proibido de dividir o mesmo quarto com a rainha, que vivia em um palácio próprio em Paris. O duque de Orleans era tido como o pai do último dos 12 filhos de Isabela, Felipe, que teria nascido morto. Para os bastardistas, a suposta morte do bebê seria um artifício para encobrir o escândalo e a criança teria sido entregue a vassalos para ser criada longe da corte. O bebê seria Joana. A teoria ajuda a explicar a ascendência dela sobre os cavaleiros e o fato de ser recebida pelo futuro rei da França - algo improvável, mesmo que a Donzela evocasse sua "missão divina". A origem nobre explicaria o episódio de uma maneira bem mais terrena e contextualizada. Para os bastardistas, não por acaso, a primeira cidade libertada por Joana e seus homens foi Orleans, terra de seu suposto pai, assassinado por aliados dos ingleses em 1407.
Os sobrevivistas defendem que Joana não ardeu na fogueira. A base dos argumentos são as narrativas da execução. As janelas das casas que davam para a praça do Velho Mercado, em Rouen, foram tampadas com madeira. A mulher queimada estava com o rosto coberto. O carrasco foi impedido de acender a fogueira - a tarefa ficou a cargo dos inquisidores. Também havia ordens expressas para que o corpo calcinado fosse queimado novamente e as cinzas jogadas no rio Sena, que banha a cidade, para evitar que surgissem relíquias. Só o coração teria sobrevivido ao fogo - alimentando a imaginação da população. Se Joana tivesse mesmo sangue real, faz sentido imaginar que outra pessoa pegou fogo em seu lugar, na opinião dos sobrevivistas.
As falsas Joanas
Os adeptos da teoria dizem que Joana reapareceu depois de alguns anos nos mesmos locais por onde havia passado. Há anotações em livros de contas de cidades fortificadas com o gasto de muita cerveja e vinho em cidades que foram libertadas por Joana d'Arc em homenagens a outra Joana, de Armoises, casada com o cavaleiro Robert de Armoises. Para a história oficial, Joana de Armoises é uma entre muitas falsas Donzelas que apareceram por toda a Europa, aproveitando a fama e a lenda da enviada de Deus para libertar a França. Mas apenas Joana de Armoises foi reconhecida pelos irmãos Pierre e Jehan d'Arc e até pelo próprio rei, Carlos 7º, como a verdadeira Donzela. Se Joana de Armoises é mesmo a Pucelle, um retrato ao lado do marido no castelo de Jaulny, propriedade da família, talvez seja a única representação da heroína francesa fruto da observação direta. E a imagem contrasta radicalmente com as milhares de outras pinturas e esculturas de Joana que se espalharam a partir do século 19 pela França.
Em abril de 2007, pesquisadores que estudaram os supostos restos mortais recolhidos da fogueira de Rouen descobriram que o material pertencia... a uma múmia egípcia. Em setembro daquele ano, o jornalista Marcel Gay e o ex-militar Roger Senzig publicaram L'Affaire Jeanne d'Arc, que ajuda a entender a criação do mito da pastora que ouvia vozes divinas. A lenda seria parte de uma estratégia criada por Yolanda de Anjou para proteger o futuro rei Carlos 7º, noivo de sua filha Marie de Anjou. Yolanda havia recebido uma autorização para criar o pequeno Carlos longe da rainha e de seus irmãos mais velhos. Dois deles morreram em circunstâncias nebulosas e o tal menino tornou-se o delfim. Yolanda teria feito circular por toda a França a lenda que previa o surgimento de uma virgem que libertaria o país - e ajudaria a transformar sua filha em rainha. No ano passado, Bernard Simonay publicou Le Lys et les Ombres (O Lírio e as Sombras, sem edição no Brasil), um romance histórico que tece um enredo plausível de quem foi a real Joana d'Arc. "Fizemos de Joana d'Arc um símbolo, construído sobretudo no fim do século 19", disse Simonay. "Não é falso afirmar que ela é um ícone da França, mas é importante lembrar que não podemos falar de patriotismo ou nacionalismo naquela época. As pessoas eram ligadas ao rei, e não a uma nação."
Legado permanente
No período da Guerra dos Cem Anos, a história de Joana correu a Europa, como se lê em diversas crônicas da Idade Média. Grandes historiadores franceses, como Jules Michelet (1798-1874), dedicaram milhares de páginas a ela. A biblioteca Jeanne d'Arc, em Orleans, cataloga 22 mil documentos ligados à epopeia da Donzela. Durante a 1ª e a 2ª Guerra, a figura de Joana d'Arc motivou soldados franceses. Cartões-postais com sua imagem circulavam nas frentes de batalha e serviam de estímulo às tropas. O general Charles De Gaulle elegeu como símbolo da resistência a cruz de Lorena para evocar a heroína. Hoje, a cruz de Lorena é associada à ultra-direita francesa. Joana estreou nas telas ainda na pré-história do cinema: Georges Meliès dedicou-lhe um filme no século 19. Heroína das mil faces, muito da Joana real - seja ela pastora, nobre ou santa - vai ficar perdido para sempre nas brumas da Idade Média. Mas sua importância para a História da França e o efeito de seu legado na imaginação dos franceses permanecerão para sempre.
O rosto da heroína
A imagem de Joana se multiplicou na França, mas na historiografia oficial não existe nenhum retrato da Donzela real
A donzela
Pesquisadores defendem que Joana não foi queimada na fogueira em Rouen, mas substituída por outra mulher
A santa
Joana foi canonizada por milagres realizados no século 19 e não pelos feitos militares ou por ouvir vozes divinas
Símbolo nacional
Cartões-postais são uma obssessão francesa. Muitos usaram Joana como símbolo de alento para os soldados no século 20, durante a 1ª e a 2ª Guerra.
A guerra de Joana
O cenário da Guerra dos Cem Anos é a França, mas as origens do conflito são como uma mão invertida. Em 1066, Guilherme 1º, duque da Normandia, conquistou a Inglaterra. Criou-se ali uma situação curiosa: ainda que Guilherme fosse um rei inglês, era um vassalo do rei da França, na condição de duque da Normandia. Em 1154, seu sucessor, Henri 2º, casou-se com Aliénor de Aquitânia, o que lhe garantia a metade do atual território francês. A situação permaneceu estranha, mas sob controle, até 1328, quando o rei da França, Carlos 4º, morreu sem deixar herdeiro. Eduardo 3º, da Inglaterra, sobrinho de Carlos, postulou o reino. O conde de Valois, neto de Felipe 3º, antigo rei francês, também reivindicou o trono. Uma assembleia convocada para resolver a questão ficou do lado de Valois. Eduardo aceitou a decisão, até Valois iniciar manobras para retirar parte de seu território. A guerra começou em 1337 e só terminou em 1453, com a vitória francesa. Os ingleses, que tinham como aliado o ducado de Borgonha, ficaram com uma pequena faixa ao redor de Calais, que mantiveram até 1558.

Saiba mais
Livros
Le Lys et les Ombres, Bernard Simonay, Calmann-Levy, 2011
L'Affaire Jeanne d'Arc, Marcel Gay, Roger Senzig, Editions Florent Massot, 2007

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A batalha que levou Roma ao topo, a conquista de Dácia.

No início do século 2, Trajano tornou-se o primeiro imperador que não nasceu em Roma. Da Espanha, sua terra natal, acompanhou o pai em conquistas nos limites do império, em especial no Oriente Médio. Menino, dormia nos acampamentos e aprendeu que a riqueza romana vinha sobretudo das conquistas militares. Quando chegou ao poder, sabia exatamente o que fazer. Por meio da conquista da Dácia, na atual Romênia (qualquer semelhança do nome com Roma não é coincidência), levou o império à sua máxima extensão. Motivado por duas vitoriosas campanhas militares (101-102 e 105-106) na região, moveu-se por todas as franjas do império e consolidou as fronteiras até a Armênia e a Mesopotâmia.
Roma era rica não só por causa dos impostos de suas províncias. Das regiões mais distantes fluíam riquezas, que chegavam à cidade. Além do trigo egípcio, que movimentava as padarias públicas para alimentar 200 mil pobres de graça (o bolsa-família da época), mercadores faziam fortuna com madeira, vidro, mármore, papiro, tecidos, linho, couro, lã e cavalos. Para comprar as mercadorias importadas, os trabalhadores e escravos produziam artesanato, carroças e tecidos, enquanto os camponeses vendiam alimentos. Era uma economia financiada pela guerra. "O ganho econômico era para os romanos parte integrante da guerra vitoriosa e da expansão do poder", afirma o historiador Willian Harris, autor de War and Imperialism in Republic Rome (Guerra e Imperialismo na República Romana).

Para entender por que a conquista da Dácia foi importante, é necessário voltar ao tempo do antecessor de Trajano, Domiciano. Cássio Dio, em A História de Roma, afirma que o antecessor de Trajano era "cruel e traiçoeiro". Até aí, nenhuma novidade - quase todos os imperadores eram descritos dessa forma. Mas Domiciano cometeu um erro que o tornou impopular: elevou os impostos para pagar o aumento de um terço dos salários de seus soldados. "Ele escravizou o próprio império", afirmou Cássio Dio.
Para justificar os gastos e reduzir o prejuízo, Domiciano diminuiu o número de soldados e fez campanhas de saques nas fronteiras do império. Numa delas, contra a Panônia (região ao sul da atual Alemanha), o imperador resolveu pedir auxílio aos dácios.
Naquele momento, o rei dos dácios, Decébalo, que já havia enfrentado Domiciano invadindo terras na fronteiras, aproveitou a oportunidade para fazer um acordo de paz com garantias de posse e poucos tributos. Quando, em 96, Domiciano foi morto por uma conspiração palaciana, Decébalo deu o acordo por encerrado e os dácios violaram a fronteira natural, o rio Danúbio. Trajano foi então convidado pelo Senado a intervir.
Suas campanhas militares são conhecidas pelas figuras da monumental Coluna de Trajano, ainda preservada no centro histórico de Roma. A narrativa no friso em baixo-relevo representa não apenas as batalhas mas também cenas de transferências de tropas, trabalhos em fortificações, sacrifícios e embaixadas e, em alguns casos, episódios que devem ter sido narrados na obra Commentarii, livro escrito pelo próprio Trajano, que não chegou aos dias atuais. Tamanha homenagem em pedra não era por acaso.
O inimigo estava incrustado no alto das montanhas Orastie, numa área de díficil acesso. Para cumprir a tarefa, Trajano, segundo o exagerado Cássio Dio, mobilizou 120 mil homens na campanha (mais de 10% da população da cidade na época). Claro, a força de guerra era bem menor, mas o imperador precisava de homens para carregar provisões, navegadores experientes para atravessar o Mediterrâneo, lançar barcos no Danúbio e construir estradas para levar máquinas de cerco até a fortaleza de Sarmizegetusa Regia, a capital dos bárbaros.
Trajano atravessou o Danúbio com 13 legiões (cerca de 60 mil homens) na localidade de Viminacium e enfrentou o inimigo na Batalha de Tapae, na Transilvânia. "Ele viu muitos feridos em seu próprio lado e as legiões mataram muitos dos inimigos", relata Cássio Dio. Na primavera seguinte, o imperador estava de novo às portas de Sarmizegetusa, e Decébalo pediu paz. "Caído ao chão, fez a reverência. Trajano aceitou, assentou guarnições aqui e ali e retornou à Itália", diz o historiador. A paz durou só 3 anos, tempo para os bárbaros se reagruparem. Nesse período, Trajano mandou construir uma ponte de pedra sobre o Danúbio com 15 m de altura. Era o necessário para atravessar as máquinas de cerco para a decisiva batalha de Sarmizegetusa (leia ao lado), confronto que selou a submissão dos dácios e a morte de Decébalo.

Batalha de Sarmizegetusa

No cerco, romanos usaram bolas incendiárias
No cerco final, Trajano tinha 18 mil homens contra um número bem menor de dácios, protegidos em cidadelas nas montanhas Orastie. O primeiro ataque dos legionários à fortaleza principal foi repelido pelos dácios com pedras e flechas. Antecessores dos hunos na região, os dácios já conheciam uma arma terrivelmente poderosa, o arco composto. Das muralhas, atiravam com grande precisão a longa distância. Os romanos se valeram de armas de cerco para atacar as muralhas e construíram plataformas para alcançar os muros. Entre as máquinas de guerra, estavam o aríete para derrubar portões e torres de cerco, com proteção para alcançar o topo das muralhas.
Os legionários cercaram a fortaleza de Sarmizegetusa Regia construindo um muro de madeira para impedir fugas e busca de reforços. Entre uma linha e a outra, posicionavam catapultas de torção para atirar pedras. Os romanos também utilizaram bolas incendiárias, o que causou incêndios em toda a cidadela. Para atirar os projéteis, os legionários se valiam do onagro, uma catapulta para flechas, dardos e pedras envolvidas em bolas de tecido embebidas em betume. As tubulações de água que abasteciam a cidadela foram danificadas, obrigando os dácios a se render. Mas algumas fortificações, em outras regiões da Dácia, possuíam água em poços intramuros. Quando isso ocorria, a alternativa era apertar o cerco até que as provisões de alimentos terminassem e os sitiados se rendessem pela fome.
Ao perceber a iminente derrota, Décebalo suicidou-se. Na versão de Cássio Dio, Bicílis, amigo de Decébalo, relatou onde estava escondido o tesouro do rei. Do leito do rio Sergetia, os homens de Trajano retiraram uma fortuna em ouro e prata. A pilhagem financiou a construção da Basílica Ulpia, do Fórum do imperador e do local conhecido como Mercado de Trajano.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Máfia Italiana, também tinha mulheres...

Itália: máfia de batom"
Demorou, mas a Itália descobriu que o crime organizado nunca foi território exclusivo dos "machos".
Olhos de gelo
Quando criou, nos anos 60, a Nuova Camorra Organizzata, que dominou até 1983 os territórios da antiga máfia napolitana, o cappo dei cappi Raffaele Cutolo não chamou nenhum homem de confiança para ser seu braço direito. Convocou para o posto a irmã mais velha, Rosetta Cutolo, que se tornou uma espécie de vice-presidente de uma das alas mais sangrentas da organização. Sua frieza e dedicação aos negócios fizeram com que ganhasse a alcunha de “olhos de gelo”. Rosetta jamais soltava os cabelos, presos num malfeito rabo-de-cavalo, e sempre usava camisas masculinas. Ninguém nunca a viu acompanhada, mas dizem que abandonou um grande amor na juventude para cuidar do irmão.
Enquanto Raffaele cumpria pena de 30 anos, era ela quem recolhia o dinheiro dos comerciantes e tratava diretamente com outros gângsteres. Em 1980, por exemplo, representou Cutolo num importante encontro de cúpula entre a Nuova Camorra e a Cosa Nostra para pôr um fim a uma guerra entre seus membros. Rosetta era tão influente e temida que, mesmo quando resgatou o irmão de um manicômio, só ficou presa alguns dias. Segundo a justiça local, não havia provas para condená-la. Durante uma batida em sua casa, em 1981, a polícia deparou-se com uma reunião de 15 auxiliares de Cutolo. A maioria acabou presa, exceto Rosetta, que conseguiu fugir misteriosamente pelos fundos. Durante dez anos, ela se manteve na clandestinidade, chefiando as operações de diversos esconderijos pela Itália. A rede de influência de Rosetta e do irmão englobava juízes e outros poderosos. Tanto que a mafiosa foi milagrosamente inocentada pelo assassinato de Giuseppe Salvia, diretor do presídio de Poggioreale, em Nápoles. Giuseppe negara a Cutol mordomias como comer apenas refeições vindas de fora da cadeia e, por isso, morreu. Rosetta escapou ilesa também da acusação pela morte de Vincenzo Casillo, segundo homem de Cutolo, suspeito de desviar dinheiro. Ela o matou com um carro-bomba. Não contente, mandou enterrar viva sua namorada em um pilar de cimento. Em 1993, entregou-se à polícia. Tinha então 55 anos de idade.

Baronesa da cocaína
Poucas mulheres chegaram tão alto no mundo do narcotráfico quanto Patrizia Ferriero. No final da década de 80, ela comandava sozinha uma extensa rede que importava cocaína da América do Sul e distribuía na Europa. Volta e meia, visitava pessoalmente vários países para tratar com perigosos traficantes internacionais. Nem a polícia podia com ela. Quando o marido Raffaele Stolder foi preso, Patrizia conseguiu que ele fosse transferido para um hospital luxuoso alegando supostos problemas renais. Era tudo uma farsa. Toda semana, ela colocava sangue de um doente de verdade na máquina de diálise para enganar os médicos. Em 1990, Patrizia construiu uma verdadeira fortaleza em Nápoles. Mandou instalar em seu apartamento duas portas de aço, uma garagem isolada com controle remoto e assoalho falso com cofre. Só ela tinha a chave do lugar. Ao invadir o bunker, em 1991, a polícia encontrou, além de cocaína, várias calcinhas espalhadas pelo chão. Depois foi descoberto que a mafiosa usava o esconderijo também como local para encontros amorosos.

Loura má
Na Via dei Tribunali, no coração de Nápoles, todos tinham um pôster de Tonino Capuano pendurado na sala. O cappo comandava os crimes na região e dominava um rentável esquema de agiotagem. Depois que foi assassinado pelos rivais da família Giuliano, sua mulher, Teresa Deviato, assumiu o poder. Ela mostrou levar jeito para o negócio. Policiais costumavam dizer que Teresa tinha muito mais neurônios que o famoso companheiro. Por méritos próprios, passou a ser respeitada até pelos rivais. Seu “método de trabalho” ficou conhecido como stozzinaggio – ou estrangulamento: o comerciante que não pagasse a cota mensal em troca de “proteção” era estrangulado e, claro, a família perdia a loja. O que, aliás, acontecia com freqüência, já que muitos não conseguiam arcar com os altos juros cobrados pela mafiosa de cabeleira loira. Em 1995, Teresa teve uma conversa telefônica grampeada pela polícia. Nela, falava sem constrangimento sobre um de seus devedores. “Ele veio me contar que não vai mais me pagar. Daí eu disse: ‘E o que eu faço? Môo você de pancada para conseguir o dinheiro? Acabei com ele’”. Foi presa diversas vezes, entre 1992 e 1996, por aluguel de armas (inclusive para a família Giuliano, assassina do marido). Mas a criminosa amargou uma série de tragédias familiares: o filho Marco morreu de overdose, e o outro, Vincenzo, foi condenado por assalto à mão armada e tentativa de assassinato. Anna, a irmã caçula, levou um tiro na cabeça. Suspeita-se que foi baleada pelo próprio filho de 16 anos. Quando não está detida por algum delito, a ainda atuante Teresa mora no mesmo endereço em Nápoles.

Bonequinha assassina
Rostinho de boneca, corpão de Sophia Loren e frieza de Al Capone. Apelidada de Pupetta (“bonequinha”) por causa de sua beleza, Assunta Maresca é uma das mais mitológicas mafiosas da história da Itália. Mimada e arrogante, cresceu cercada de cuidados pelos quatro irmãos da napolitana Camorra, que dominavam o mundo do crime no sul. De tão arruaceiros e cruéis, os rapazes eram conhecidos como os irmãos Lampetielli (“relâmpagos”), por causa do incrível talento para lidar com facas. Apesar de ser a queridinha da família, Pupetta não teve uma vida fácil. Aos 18 anos, casou-se com o cappo Pasquale Simonetti. Pascalone (Pasqualzão), como era chamado, controlava os preços das verduras e frutas da região e exigia dos comerciantes sua parte nas vendas. Certo dia, levou um tiro no estômago de outro mafioso interessado nos negócios. No leito de morte, revelou à mulher o nome do assassino. Já que a polícia preferiu não se envolver no caso, a viúva decidiu agir por conta própria: usando o mesmo revólver do marido, matou Antonio Espósito com uma chuva de balas. “Fazia oitenta dias que estávamos casados quando mataram meu marido a tiros. Oitenta dias depois, acabei com o homem que o assassinou. Eu tinha 18 anos e estava grávida”, conta Maresca no livro Mulheres da Máfia. Pelo crime, Pupetta ficou 14 anos na prisão. Lá, longe das paparicações, deu à luz a Pasqualino. Mas a bonequinha jamais conseguiu controlar sua queda por criminosos perigosos: assim que saiu da cadeia, com 31 anos, apaixonou-se por Umberto Ammaturo, um camorrista que traficava, entre outros artigos, armas da Alemanha para a Líbia. Mais uma vez ela se deu mal. Pasqualino e Ammaturo não se davam bem, até que o filho de Pupetta desapareceu misteriosamente. Mesmo suspeitando do marido, ela resolveu continuar casada, ajudando-o a comandar sua rede de tráfico internacional. A mafiosa virou celebridade na Itália ao tomar as rédeas dos negócios numa briga entre facções da Camorra. Em 1974, quando Raffaele Cutolo, outro poderoso chefão, ameaçou matar os irmãos Lampetielle, Pupetta convocou a imprensa em uma entrevista histórica, na qual apareceu de ternode couro apertado e blusa desabotoada, para felicidade dos jornalistas. “Se Cutolo tocar em um só membro da minha família, matarei seus capangas, mulheres e filhos. Não hesitarei”, disse. Como represália, Cutolo fez com que ela fosse incriminada pela morte de um médico, o que lhe custou mais quatro anos no xadrez. Hoje, Assunta Maresca vive isolada numa bela e confortável cobertura na turística cidade de Sorrento.

A sanguinária da Catânia
O telegrama misterioso foi interceptado pelos funcionários do presídio de segurança máxima de Gazzi, no leste da Sicília: “Meu amor, não vejo a hora de poder estar com você. Não se preocupe com nada, os cavalos estão em segurança no estábulo, porque está frio lá fora. Te amo.” Tratava-se de um bilhete cifrado para Antonio Cintorino, um mafioso condenado por assassinato. A autora era sua mulher, Maria Cintorino, que assumiu os negócios do marido com apenas 24 anos. Inteligente e bonita, ela decidiu se tornar líder dos criminosos da Catânia, chefiando um bando de homens conhecidos por circular com pistolas iugoslavas. Sua coragem ganhou fama em terras sicilianas, principalmente quando um gângster conhecido como Saro, ex-parceiro do marido, tentou tomar o poder. Maria decidiu massacrar o inimigo com uma bomba. Organizou diretamente a emboscada, cuidando sozinha de todo o apoio logístico. Mas a polícia descobriu a trama e Maria acabou no xadrez. Em fevereiro de 1995, foi presa novamente, acusada de traficar arma e drogas. No ano seguinte, a Justiça transferiu-a para uma ala de confinamento destinada a mafiosos de alta periculosidade.

A Viúva Negra
Ninguém do clã Moccia ousava dar um passo sem a permissão de Anna Mazza. Até 1976, ela era apenas a fiel mulher de Genaro Moccia, chefão de Afragola, no sul da Itália. Com o brutal assassinato do marido por um mafioso rival, ela tornou-se a “viúva negra”. Sua primeira ação como chefe do clã foi mandar o próprio filho, Antônio, de apenas 13 anos, matar o assassino do pai. O garoto cumpriu a ordem em plena luz do dia, na porta do fórum de Nápoles. Após atirar, Antônio foi baleado por um segurança. Em depoimento à polícia, a mãe negou que tivesse incitado o menino a cometer o crime. Mas fez questão de declarar: “A única coisa que meu filho fez de errado foi atirar nele em um lugar decente. Devia era ter retalhado o sujeito numa ruazinha suja qualquer”. Sob o comando da matriarca, os Moccia criaram a Nuova Famiglia, para lutar contra a Nuova Camorra Organizzata, de Raffaele Cutolo. O filho mais velho de Anna, Ângelo, virou líder da organização, que controlava um serviço de extorsão e arrecadava milhões de dólares. A Justiça italiana fez com que a Viúva Negra se tornasse a primeira mulher condenada com o exílio interno. Do sul, teve de se mudar para Formia, perto de Roma. Detalhe: meses depois de ter chegado à cidade, a polícia local registrou um significativo aumento na criminalidade. Atualmente, vive em Nápoles, onde tenta libertar os filhos da prisão.
Saiba mais

Livro
Mulheres da Máfia, Clare Longrigg, Landscape, 1997. - Reportagem corajosa de uma jornalista inglesa do The Guardian sobre o papel da mulher em organizações como a Cosa Nostra e a Camorra

Esparta

Esparta moldou os maiores guerreiros da Antiguidade; O Estado se encarregava de treinar os meninos como guerreiros, que seriam os militares mais capacitados, temidos, odiados e perfeitos da Antiguidade
Os meninos eram apartados de casa quando faziam 7 anos. O Estado se encarregava de treiná-los como guerreiros. Não qualquer guerreiro. Eles seriam soldados espartanos, o militar mais capacitado, temido, odiado e perfeito da Antiguidade. Para quem assistiu à primeira parte de 300, ou a sequência que chegou aos cinemas este ano, 300 – A Ascensão do Império, os feitos dos esparciatas são bem conhecidos (ainda que com visual de história em quadrinhos). Mas qual era o segredo da cidade para forjar militares tão formidáveis? A origem da tradição talvez resida nas Leis de Licurgo, legislador provavelmente mitológico do século 8 a.C. que deixou um código não escrito determinando praticamente tudo na vida de um espartano.
Antes disso, a cidade era algo bem diferente da que conhecemos. Esparta é central na Ilíada, que narra a Guerra de Troia, por volta de 1200 a.C. Da cidade veio Helena, a esposa do rei Menelau que, ao ser raptada pelo príncipe troiano Páris, deu início ao confronto. “Achados arqueológicos atestam o amor pelo luxo, humor e mesmo frivolidade no período arcaico, que dificilmente relembram os sisudos e militaristas espartanos da imaginação antiga e contemporânea”, diz o historiador Nigel M. Kennell, do Centro de Estudos Helênicos e Mediterrâneos, em Atenas.
Por volta do ano 1000 a.C., a cidade foi conquistada pelos dóricos, que se consideravam descendentes do semideus Héracles (o Hércules romano). Eles estabeleceram uma monarquia dual, com reis de diferentes dinastias. “A dualidade levava a conselhos divididos, rivalidades dinásticas, ansiedades de sucessão, luta faccional”, diz Paul Cartledge, da Universidade de Cambridge. Os reis podiam não se bicar, mas não tinham muito poder. As decisões mais importantes eram tomadas por cinco éforos eleitos e pela gerúsia, formada por 28 cidadãos com mais de 60 anos – sempre com base nas Leis de Licurgo. E o principal tópico da legislação era que o cidadão de Esparta não trabalhava na terra, não praticava o comércio nem ganhava a vida como artesão. A única atividade nobre para um homem era a guerra. E eles passavam a vida treinando para ela.
Eles eram legendários porque, enquanto em outras cidades gregas as pessoas dividiam o tempo entre o treinamento militar e os afazeres cotidianos, a vida do espartano era focada no combate. O estado estava tão impregnado na vida privada que cabia à gerúsia decidir quais bebês deveriam viver (nas outras cidades, que também praticavam o infanticídio, a decisão cabia ao pai, não ao governo). Esparta era tão superior que a cidade não tinha muralhas. Não havia o que temer.
Missão suicida
O primeiro encontro militar entre espartanos e persas se deu na celebrada Batalha das Termópilas, entre 8 e 10 de setembro de 480 a.C., durante a segunda incursão persa à Grécia – a primeira foi repelida pelos atenienses, dez anos antes. Celebrizada, estilizada e romantizada no filme e nos quadrinhos 300, muito do que vem a partir daqui deve ser familiar para quem os viu, menos isto: os 300 espartanos lideravam 7 mil soldados. Somados à tropa de elite do rei Leônidas, havia mais 700 periecos, homens livres, mas sem direitos políticos, e 900 hilotas, escravos espartanos, que atuavam como arqueiros ou armados de fundas. Além de milhares de aliados de cidades como Tebas e Corinto. Periecos e hilotas eram os moradores encarregados das atividades que não cabiam aos esparciatas.
Era uma missão suicida e eles sabiam. Os 300 foram selecionados apenas entre os que já tinham filhos homens para passar seu legado. Do outro lado, havia no mínimo 70 mil persas, talvez até 250 mil, de acordo com estimativas modernas. O historiador mais influente do século 5 a.C., Heródoto, disse que eram 1,7 milhão.

O HOPLITA ESPARTANO - O segredo da vitória
Hoplitas eram soldados armados com lanças de 3 m, chamadas dory, e xiphos, espadas curtas para combate próximo. Eram munidos de um escudo, o hóplon, e uma armadura de bronze, a panóplia. Atuavam em colunas largas, com oito a 12 linhas de soldados, com os mais experientes à direita. A razão disso era que os homens se moviam instintivamente em direção ao escudo de seu parceiro, e os veteranos evitavam que a tropa toda se desviasse. As lanças podiam ser seguradas por baixo ou por cima, permitindo que um soldado das linhas de trás atacasse sobre os ombros dos companheiros. A combinação de armadura e escudo e a coesão da tropa os tornavam quase invulneráveis a um ataque frontal, fosse por flechas, espadas ou lanças.
Todas as cidades-estados gregas usavam hoplitas. O que tornava os espartanos especiais era o fato de serem soldados profissionais e exclusivos, com um espírito de ferocidade e companheirismo militar incutido desde a mais tenra idade, enquanto os outros eram comerciantes e artesãos que ocasionalmente pegavam em armas. Espartanos ou não, hoplitas pagavam pelas próprias armas e armaduras – quem não tivesse dinheiro ficava de fora. No caso de Esparta, era uma desgraça total: significava perder a cidadania e juntar-se aos periecos.


Para frustração dos persas, a superioridade numérica não bastava. Termópilas era uma garganta com meros 100 m de largura. Por mais tropas que houvesse,

Nefertiti: Mulher Maravilha

Ela se casou com o homem mais poderoso do mundo, tornou-se sacerdotisa de uma nova religião e acabou adorada como deusa. No fim da vida, governou sozinha o maior império de seu tempo.
Poucas vezes durante os quase 10 mil anos da história da humanidade a pessoa mais poderosa do mundo foi uma mulher. No Egito do século 14 a.C., no entanto, uma bela rainha que se tornaria deusa, liderou o mais poderoso império sobre a terra. E por quase 20 anos, Nefertiti foi a pessoa mais poderosa do planeta.
O ano era 1348 a.C. e o Egito encontrava-se em sua 18ª dinastia, uma época de prosperidade e riqueza, sustentadas pela relações comerciais com os vizinhos da Mesopotâmia e da Ásia Menor. Era um tempo de paz, quando a diplomacia egípcia evoluiu a ponto de surgirem impensadas alianças com povos antes belicosos, como o reino Mitani. Mas, se da cerca para fora tudo parecia tranqüilo, em casa um furacão se formava. No quarto ano de seu mandato, o faraó Amenhotep IV tomou a decisão que mudaria a história de sua vida e alteraria completamente a doce vida no Egito.
Amenhotep IV assumiu aos 16 anos a co-regência de seu país ao lado de seu pai no 28º ano de reinado de Amenhotep III. Em 1352, após a morte do pápi, ele iniciou carreira solo e, aos poucos, foi colocando as manguinhas de fora. Sem grandes explicações, o novo faraó resolveu substituir o culto ao deus Amon-Ra, o mais importante da época, pela adoração ao deus-sol Aton, representado simplesmente pelo círculo solar. Trocou seu nome para Akhenaton e proclamou-se o enviado do novo deus, em cuja homenagem mandou erigir uma cidade sagrada, Akhetaton, conhecida hoje como Tell El-Amarna, e para lá transferiu a capital do Egito, para desespero dos sacerdotes de Karnak. Antes, avisou: “Ninguém, nem mesmo minha esposa, me fará mudar de idéia”.
Mulher do rei
A influente esposa citada nos discursos do faraó – fato raríssimo para a época, e que, por si só, já demostra a importância da rainha – era Nefertiti. Não se sabe exatamente quando, nem onde Nefertiti – nome que significa “é chegada a bela” – nasceu. É possível que Ay, um alto funcionário de Amehontep III, pai de Akhenaton, fosse o pai da moça e que ela tenha tido algum grau de parentesco com a rainha Tiye, mãe de Akhenaton e mulher muito influente na 18ª dinastia.
De acordo com o egiptólogo (historiador especializado em antigo Egito) Antonio Brancaglion Junior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), embora haja quem acredite que Nefertiti veio do reino de Mitani para o harém de Amenhontep III, herdado por Akhenaton, há evidências de que Nefertiti era egípcia. “Isso se reforça pela tese de que Tiye e Nefertiti fizeram uma aliança: a primeira teria escolhido a segunda para ser esposa de seu filho e assim continuar tendo influência no reinado de Akhenaton, após a morte do pai dele”, diz Antonio.
Nefertiti só passa a existir oficialmente após seu casamento com Amenhotep IV, quando ela tinha 14 anos. É quando começa a aparecer eminscrições em estelas e talatats, pequenos blocos de pedra, a base das construções egípcias. Uma das duas mulheres de Akhenaton – a principal, que possuía o título de Grande Esposa Real –, Nefertiti começou sua história como esposa e rainha, mas, ao longo do tempo, sua influência foi aumentando. “Na implementação da nova religião que cultuava Aton, Nefertiti teve um papel fundamental”, diz a historiadora Anna Cristina Ferreira de Souza, que em 2004 defendeu sua tese de mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF) justamente sobre o caráter divino de Nefertiti. Esse fato pode ser visto nas imagens da rainha gravadas nas paredes dos templos em Amarna – entre Tebas e Mênfis, a 590 quilômetros do atual Cairo. A princípio, Nefertiti aparece bem menor que Akhenaton. Com o tempo, no entanto, ela vai ficando cada vez maior, até alcançar o tamanho do marido – uma indicação de que seu status foi também subindo com o passar dos anos (veja quadro ao lado).
Sacerdotisa de Aton
O crescimento atípico da rainha, ao lado do faraó e à frente de seu povo, é costumeiramente associado ao papel de Nefertiti na nova religião criada pelo marido. Pela primeira vez, o deus egípcio era único. Mas, para entender a mudança de religião proposta por Akhenaton e o papel de Nefertiti nessa alteração, é preciso voltar ainda mais no tempo. Até então, a religião do Egito era formada pelo culto a diversos deuses, cujos representantes na Terra eram os próprios faraós. A origem da crença remonta à pré-história, quando tribos locais adoravam deuses e animais. “Eles acabaram sendo incorporados e até superpostos por outros cultos locais, dando origem à religião egípcia”, afirma Anna Cristina. Vários deuses, que apresentavam características masculinas e femininas, eram cultuados, numa forma de politeísmo, mas cada um de uma vez – o que era conhecido como monolatria.
Quando ainda era chamado Amenhontep IV, o faraó já dava indícios de sua nova fé: começou a levantar templos para Aton na cidade de Karnak, lugar de adoração de Amon-Ra. Até que oficializou o culto ao disco solar e ordenou o abandono do antigo deus. No quinto ano de seu reinado, começou a construção da nova capital, Akhetaton, o “Horizonte de Aton”, que ficou pronta três anos depois. A relação com os outros deuses, a partir de então, estava rompida. Segundo Anna Cristina, seria como se alguém hoje proibisse que os católicos adorassem seus santos.
Nefertiti não usava o título de “esposa do deus” – função sacerdotal banida pela nova religião, que era exercida por mulheres virgens da alta nobreza e cujo papel estava relacionado ao nascimento divino do rei: de acordo com a mitologia, o deus Amon-Rá mantinha relações sexuais com a rainha virgem e, assim, gerava o novo rei –, mas assumiu uma posição equivalente como sacerdotisa do culto diário. Entre as funções que desempenhava, ela acompanhava cortejos religiosos e fazia oferendas. “Nefertiti contava com grande empatia e carisma entre a população, dando alguma popularidade ao culto de Aton, que foi combatido pelos poderosos sacerdotes egípcios que preferiam os deuses tradicionais”, afirma a historiadora Deborah Vess, da Universidade de Geórgia, nos Estados Unidos, especialista em mulheres da Antigüidade. “Sua beleza, combinada com o poder que ela adquiriu durante o reinado de Akhenaton e em sua nova religião, a tornou uma das mulheres mais importantes da história”, diz. As outras rainhas foram simplesmente rainhas. Nefertiti não: ela virou uma deusa encarnada.
Deusa do sol
Akhenaton elevou a si mesmo e sua esposa à posição de deuses vivos. A alteração se deu aos poucos. A princípio, o deus-sol Aton era representado com corpo humano e cabeça de falcão. Com o passar do tempo, porém, a iconografia foi substituída por imagens da família real, que estava sempre recebendo sagradas emanações do disco solar. “Houve uma simplificação na hierarquia dos deuses do Egito: só subsistiram as figuras de Aton e do rei, que era o único meio de acesso à esfera divina”, afirma Anna Cristina. “Os cultos privados passaram a ser direcionados à família real, pois só esta conhecia e podia cultuar o deus.” De acordo com essa liturgia, Nefertiti assumiu papel de protagonista da história, pois encarnava todas as deidades femininas que os egípcios estavam acostumados a cultuar.
“Nefertiti foi certamente uma semi-deusa”, afirma Joyce Tyldesley, autora de Nefertiti – Egypt’s Sun Queen (“Nefertiti, a Rainha-Sol do Egito”, sem tradução para o português). “A religião de Akhenaton era muito diferente de tudo o que havia existido até então. O novo deus egípcio era um simples disco solar. Akhenaton precisava de um elemento feminino nessa religião, e usou Nefertiti para esse fim.”
O poder do Egito, um reino em que religião e política se misturavam, antes concentrado nas mãos dos sacerdotes de Amon, passou a ser exclusivo do casal real. “É provável que o status assumido pela rainha tenha ocorrido devido a essa concentração de poder na própria família real”, afirma Anna Cristina – para quem Nefertiti chegou a ser considerada uma deusa viva. “Ao ser retratada com a família, a maioria das cenas relaciona Nefertiti à deusa Tefnut, o que eleva seu status à deusa encarnada, uma verdadeira revolução.”
A família real passou a ser bastante retratada no reinado de Akhenaton. São comuns estelas nas quais Nefertiti aparece ao lado do marido com suas filhas (eram seis ao todo). Cenas inéditas de carinho e intimidade são mostradas: Nefertiti beija o marido, acaricia as filhas, alimenta a prole. “O casal aparece muito junto, em cenas cotidianas, se acariciando. Isso nunca havia sido visto antes”, afirma o egiptólogo Julio Gralha. “A época de Amarna foi intrigante: além do culto mais próximo ao monoteísmo que o Egito já viveu, ela também expôs como nunca a vida cotidiana dos poderosos.”
As mudanças promovidas por Akhenaton foram radicais. De fato, desde o início elas atraíram a oposição dos poderosos sacerdotes. “Quem foi esperto e mudou de religião teve seu emprego garantido”, diz Antonio Brancaglion. “Quem não o fez, acabou perseguido, preso e, às vezes, banido.” Com o tempo, a insatisfação chegou à nobreza, incomodada pela extrema concentração de poder na figura do faraó e de sua família e, finalmente ao povo, afetado pela construção da nova cidade que levou ao aumento de impostos e inflação.
Além disso, o faraó não tinha a menor vocação para a guerra ou a política. Durante seu reinado, o Egito perdeu seus territórios na Ásia para os hititas, o que solapou a coleta de ouro e de impostos. Diante das críticas ao seu governo, Akhenaton reagiu com mais perseguição religiosa e enviou mensageiros a Tebas e Mênfis para destruir qualquer menção a outros deuses que não Aton.
Sozinha no poder
Esse era o clima, em 1336 a.C., quando Akhenaton morreu provavelmente de causas naturais, aos 34 anos – a média de vida dos egípcios daquela época, mesmo entre a elite, era de apenas 35 anos. Nessa época, as imagens de Nefertiti mostram-na usando paramentos típicos de faraó, como coroa e bastões. Para a maioria dos especialistas, o fato sugere que ela teria assumido o trono do Egito, primeiro ao lado do marido e, depois da morte Akhenaton, sucedendo-o. “Embora o assunto permaneça controverso atualmente a opinião de que ela tenha governado como rainha única é cada vez mais aceita”, diz Antonio Brancaglion.
Gravações em pedra encontradas em escavações no século 19 em Amarna mostram que, após a morte de Akhenaton, o Egito foi governado por um (ou uma) faraó de nome Nefernefruaton – que seria, na verdade, Nefertiti. A rainha teria governado como co-regente de Akhenaton após o 13º ano de seu reinado – quando o nome “Nefertiti” desaparece das inscrições em Amarna.
Para Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antigüidades Egípcias, não restam dúvidas sobre o poder acumulado por Nefertiti após a morte de Akhenaton. “As imagens de Amarna mostram a rainha sozinha, liderando procissões religiosas e até à frente de exércitos, posições reservadas exclusivamente aos faraós”, diz Hawass. Um dos fatos que reforça a hipótese de Nefertiti ter chegado ao mais alto cargo no Egito é que Nefernefruaton é justamente uma variação mais longa de seu nome. Além disso, vários documentos sugerem que o sucessor de Akhenaton tenha sido uma mulher.
Por outro lado, críticos à tese de que Nefertiti tenha governado sozinha o Egito apontam o fato de que o sucessor de Akhenaton tenha revogado quase tudo que o faraó fez durante seu reinado – o culto a Aton, por exemplo, foi extinto e os antigos deuses retomados menos de cinco anos após sua morte – para sustentar a hipótese de que o sucessor tenha sido outra pessoa. Afinal, por que Nefertiti abandonaria a religião do marido?
Anna Cristina Ferreira de Souza tem algumas hipóteses. “Akhenaton deixou o Egito em crise e após sua morte, vários setores da sociedade se revoltaram contra o trono. O retorno ao culto a Amon-Ra deve ter sido uma forma que a nova faraó encontrou para contar com o apoio do maior número possível de pessoas e pacificar o país”, diz. Segundo a especialista, isso justificaria o fato de Nefertiti ter trocado seu nome e tentado romper os vínculos com o antigo regime. “Foi uma decisão importante, tomada por uma mulher que tinha exata noção de seu papel na política do Estado.” O egiptólogo Antonio Brancaglion, concorda que a motivação de Nefertiti deve ter sido política. “Ela provavelmente percebeu que a nova religião estava levando o Egito ao colapso”, afirma.
Apesar disso, Nefertiti não conseguiu deter a crise religiosa e social que levou o Egito a um período de instabilidade política. Depois de apenas três anos de poder, ela teria morrido em situação nunca esclarecida. O Egito passou a ser governado pelo jovem Tutancâmon, que assumiu com cerca de 9 ou 10 anos e morreu assassinado aos 18 anos. Para quem acredita que Nefertiti terminou seus dias como a poderosa rainha do Egito é difícil aceitar que seu corpo jamais tenha sido localizado – embora uma especialista americana tenha afirmado, em 2003, que a achara. Para explicar o desaparecimento, no entanto, é preciso lembrar que durante o governo de Tutancâmon, Amarna – provável local do sepultamento da rainha – foi abandonada. Os crentes de Aton foram perseguidos e a maioria dos templos construídos por Akhenaton e Nefertiti depredados. Os rostos dos soberanos foram raspados das imagens esculpidas em pedra. É possível que, nessa época, a tumba da rainha tenha sido violada.
Silêncio eterno
Se Nefertiti não reinou como faraó, a outra hipótese é que ela tenha morrido no 14º ano de reinado do marido, quando seu nome desapareceu dos documentos oficiais. “Acredito que a esposa de Akhenaton foi enterrada na tumba real em Amarna, como previsto desde a época da construção da cidade”, afirma Joyce Tyldesley, que estuda as ruínas de Amarna há mais de 20 anos. “Essa tumba foi saqueada na Antigüidade, e novamente no século 19. Muito pouco foi recuperado dela. Mas há uma chance de que a múmia tenha sido resgatada quando Amarna foi abandonada. Nesse caso, ela poderia estar numa tumba do Vale dos Reis, em Tebas.”
Embora o período amarniano seja um dos mais estudados do Egito antigo (há mais de 2 mil livros publicados sobre a época), não há ponto final quando o assunto é Nefertiti. “Desde a descoberta de seu famoso busto, exposto hoje no Museu de Berlim, ela invadiu nossa imaginação”, afirma a historiadora Deborah Vess. “Sua beleza e o enorme poder que parece ter tido instigaram diferentes teses sobre sua vida e seu real papel na história do Egito.”
“Não sabemos quase nada sobre a personalidade dela”, diz Julio Gralha. “Alguns pesquisadores a tratam como mãe devotada e esposa carinhosa, agradável ao público. Outros a tem como uma mulher ambiciosa, poderosa, capaz de matar para ficar no poder.” Há quem defenda a tese de que Nefertiti chegou a matar Kiya, a segunda esposa de Akhenaton e mãe de Tutancâmon, só porque ela teria dado ao faraó algo que a rainha nunca conseguiu dar: um filho homem. Outros acham que foi a própria Nefertiti a cabeça da revolução religiosa que dividiu seu país e o levou à beira do colapso. Há ainda uma versão da história que afirma que Nefertiti não era o faraó sucessor de seu marido – e, sim, sua assassina.
Talvez as respostas para esses e outros enigmas só surjam quando o grande depósito de talatats encontrado em Amarna no século 19 for inteiramente decifrado. O que ainda pode levar décadas. Talvez não apareçam nunca e, então, Nefertiti terá levado seus segredos para a eternidade.

Uma "explicação" sobre Napoleão Bonaparte...

Episodio filme a Cidade dos Homens (2007).


Na História, quem foi Napoleão Bonaparte.

Este grande Personagem da História nasceu na Córsega, no Ano 1769 AINDA Muito Jovem, com somente dez años de idade, Seu pai o enviou do Pará uma França parágrafo Estudar los UMA Escola Militar.
Apesar de TODAS OS Desafios Que encontrou por la, semper de sempre se manteve Muito Determinado. Seu Empenho e determinação o fizeram tenente da Artilharia do Frances Exercito AOS 19 Anos.
A Revolução Francesa (de 1789 a 1799), FOI uma Oportunidade Perfeita parágrafo Bonaparte alcançar Seu Objetivo Maior. Tornou-SE AOS 27 ANOS gerais, Saindo-se vitorioso los Varias Batalhas nd Itália e Áustria.
Suá era Estratégia Fazer com Que SEUS soldados se considerassem invencíveis. No Ano de 1798 ELE seguiu los embarcação parágrafo o Egito, com o Propósito de tirar OS britânicos fazer Percurso ÀS Índias.
ELE FOI Muito Bem quisto POR SEUS soldados e POR Grande Parte do Povo Francês. Seu Poder FOI absoluto apos ter Sido nomeado cônsul.
No Ano de 1804, Napoleão Finalmente tornou-se Imperador. COM PODER NAS totais Mãos, ELE UMA formulou nova forma de Governo e also Novas leis.
Visando atingir e derrotar OS Ingleses, Bonaparte ordenou hum Bloqueio Continental that tinha POR Objetivo Proibir O Comércio com a Grã-Bretanha. 
No Ano de 1812, o Francês gerais atacou à Rússia, porem, AO Contrário de SEUS To Us Link confrontos, this was hum completo Fracasso. Apos Sair de Moscou, O Povo Alemão decidiu Lutar Para reconquistar SUA Liberdade. 
Apos derrotado ser, Napoleão FOI Obrigado a buscar Exílio na ilha de Elba; contudo, fugiu Desta Região, EM 1815, retornando à França com Seu Exercito e iniciando Seu Governo de Cem Dias na França.

Apos Ser derrotado Novamente Pelos Ingleses na Batalha de Waterloo E enviado par o Exílio na Ilha de Santa Helena, locais de Seu falecimento los 5 de maio de 1821.

Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política

Na revolução francesa, a direita referia-se ao grupo parlamentar que se sentava ao lado direito do presidente da respectiva assembléia. Era, tradicionalmente, constituído por elementos pertencentes aos partidos conservadores. Contrapunha a ele a parte da assembléia que ficava à esquerda do presidente. Em Ciências Políticas, o conjunto de indivíduos ou grupos políticos partidários de alguma reforma social ou revolução socialista compõe a esquerda. Entende-se como ação política a que tem por finalidade a formação de decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade. Política, portanto, é ação coletiva.
“Esquerda” e “direita” indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence, habitualmente, à ação política. Possuem contrastes não só de idéias, mas também de interesses econômicos e de prioridades a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Esses contrastes existem em toda sociedade. Aliás, não há nada mais ideológico do que a afirmação de que as ideologias estão em crise ou de que a distinção entre direita e esquerda desapareceu.
Politicamente, os jogos de interesses são muitos. Os diversos blocos, partidos e tendências têm entre si convergências e divergências. São possíveis as mais variadas combinações de umas com as outras. O maniqueísmo – doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal, segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo – não é a forma adequada de se encarar essa distinção política: quem não é de direita é de esquerda ou vice-versa.
Entre a escuridão e a luz, existe a penumbra. Entre o preto e o branco, não existe apenas o cinza, mas sim um arco-íris de colorações políticas…
As posições “progressista” e “reacionária” não constituem monopólios permanentes. A reação, defensora de algum sistema político extremamente conservador, contrário às idéias que envolvem importantes transformações político-sociais, muda de defensores. Com o tempo, o que antes era popular, avançado e democrático pode se tornar populista, corporativista,retrógrado ou totalitário.
Mas “direita” e “esquerda”, argumenta Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política” (São Paulo, Editora da UNESP, 1995, 129 páginas) continuam a servir como pontos de referência indispensáveis. Esse filósofo italiano contemporâneo levanta quais são os critérios para se dizer que alguém é de direita ou de esquerda.
Parte da constatação de que os homens, por um lado, são todos iguais entre si; de outro, cada indivíduo é diferente dos demais. Os que consideram mais importante, para a boa convivência humana, aquilo comum que os une, em uma coletividade, estão na margem esquerda e podem ser corretamente chamados de igualitários. Os que acham relevante, para a melhor convivência, a diversidade e/ou a competitividade, estão na margem direita e podem ser chamados de meritocratas. São de esquerda as pessoas que se interessam pela eliminação das desigualdades sociais. A direita insiste na convicção de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, não são elimináveis.
Entre os economistas, não há porque descartar a distinção política entre direita e esquerda. Uma moeda possui duas faces, embora “cara” e “coroa” se alternem… Hora uma está por cima, hora outra. Mas há também dubiedade entre os economistas, aquela esquizofrenia em que o “coração” (emoção) está à esquerda e a “cabeça” (razão), à direita.
Quais são as explicações convencionais para determinado economista ser classificado como da “direita”? Algumas são mais empiristas do que científicas, entre as quais ganha destaque a idéia de que se trata de mera adaptação ao ambiente competitivo profissional: para subir na carreira profissional, no setor privado, imagina-se que é mais conveniente ser defensor da “liberdade das forças de O Mercado”.
Outra explicação seria a adoção de conservadorismo de posição conquistada com a mobilidade social. Este alpinismo social dependeria de ambição ou da crença que é superior aos outros, em sociedade de desiguais, plena de conflitos de interesses. Porém, geralmente, esse excesso de otimismo é devido ao viés de autovalidação: pergunta apenas à gente que pensa igual se, de fato, ele é superior aos colegas que pensam diferente dele. Torna-se por auto-atribuição, simplesmente, um esnobe.
Nesse posicionamento ideológico direitista, é comum se adotar o chamado “discurso da competência“, ou seja, sugerir que “não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer ocasião e em qualquer lugar”. Só os “competentes” ou “eficazes”, nas entrelinhas, aquele que está falando e, no máximo, seus pares ou discípulos, podem se pronunciar. Os demais são “incompetentes”…
A direita confia que as desigualdades sociais possam ser diminuídas à medida que se favoreça a competitividade geral; minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual. A esquerda prioriza a proteção contra a competição social. Na escolha entre a competitividade e a solidariedade, enfatiza esta última.
O que define a posição de direita é a idéia de que a vida em sociedade reproduz a vida natural, com sua violência, hierarquia e eficiência. Se os homens são seres biológicos desiguais, devem submeter-se à lei do darwinismo social. Segundo essa concepção, a sociedade mercantil faz também a seleção, neste caso “social”, entre os indivíduos que podem se desenvolver — “os vencedores” — e os que podem apenas sobreviver — “os perdedores”.
A regra de ouro da direita econômica é: quem melhor se adapta ao meio ambiente econômico enriquece, inclusive dando continuidade a sua dinastia. O homem de direita, acima de tudo, preocupa-se com a defesa da tradição e da herança. Já a atitude de esquerda pressupõe que a condição humana é fundada pela negação da herança natural. A sociedade se desenvolve, opondo-se às forças cegas da natureza. Nada mais parecido com o livre-mercado do que a livre-natureza. Quem acredita na essência humana como essencialmente egoísta e imutável é de direita, mesmo sem saber.
Para ter consciência de si, assumindo claramente sua posição política na sociedade, a (re)leitura de Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”, é sempre oportuna. 
Leia mais: Direita X Esquerda por Antônio Prata