terça-feira, 26 de agosto de 2014

Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política

Na revolução francesa, a direita referia-se ao grupo parlamentar que se sentava ao lado direito do presidente da respectiva assembléia. Era, tradicionalmente, constituído por elementos pertencentes aos partidos conservadores. Contrapunha a ele a parte da assembléia que ficava à esquerda do presidente. Em Ciências Políticas, o conjunto de indivíduos ou grupos políticos partidários de alguma reforma social ou revolução socialista compõe a esquerda. Entende-se como ação política a que tem por finalidade a formação de decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade. Política, portanto, é ação coletiva.
“Esquerda” e “direita” indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence, habitualmente, à ação política. Possuem contrastes não só de idéias, mas também de interesses econômicos e de prioridades a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Esses contrastes existem em toda sociedade. Aliás, não há nada mais ideológico do que a afirmação de que as ideologias estão em crise ou de que a distinção entre direita e esquerda desapareceu.
Politicamente, os jogos de interesses são muitos. Os diversos blocos, partidos e tendências têm entre si convergências e divergências. São possíveis as mais variadas combinações de umas com as outras. O maniqueísmo – doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal, segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo – não é a forma adequada de se encarar essa distinção política: quem não é de direita é de esquerda ou vice-versa.
Entre a escuridão e a luz, existe a penumbra. Entre o preto e o branco, não existe apenas o cinza, mas sim um arco-íris de colorações políticas…
As posições “progressista” e “reacionária” não constituem monopólios permanentes. A reação, defensora de algum sistema político extremamente conservador, contrário às idéias que envolvem importantes transformações político-sociais, muda de defensores. Com o tempo, o que antes era popular, avançado e democrático pode se tornar populista, corporativista,retrógrado ou totalitário.
Mas “direita” e “esquerda”, argumenta Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política” (São Paulo, Editora da UNESP, 1995, 129 páginas) continuam a servir como pontos de referência indispensáveis. Esse filósofo italiano contemporâneo levanta quais são os critérios para se dizer que alguém é de direita ou de esquerda.
Parte da constatação de que os homens, por um lado, são todos iguais entre si; de outro, cada indivíduo é diferente dos demais. Os que consideram mais importante, para a boa convivência humana, aquilo comum que os une, em uma coletividade, estão na margem esquerda e podem ser corretamente chamados de igualitários. Os que acham relevante, para a melhor convivência, a diversidade e/ou a competitividade, estão na margem direita e podem ser chamados de meritocratas. São de esquerda as pessoas que se interessam pela eliminação das desigualdades sociais. A direita insiste na convicção de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, não são elimináveis.
Entre os economistas, não há porque descartar a distinção política entre direita e esquerda. Uma moeda possui duas faces, embora “cara” e “coroa” se alternem… Hora uma está por cima, hora outra. Mas há também dubiedade entre os economistas, aquela esquizofrenia em que o “coração” (emoção) está à esquerda e a “cabeça” (razão), à direita.
Quais são as explicações convencionais para determinado economista ser classificado como da “direita”? Algumas são mais empiristas do que científicas, entre as quais ganha destaque a idéia de que se trata de mera adaptação ao ambiente competitivo profissional: para subir na carreira profissional, no setor privado, imagina-se que é mais conveniente ser defensor da “liberdade das forças de O Mercado”.
Outra explicação seria a adoção de conservadorismo de posição conquistada com a mobilidade social. Este alpinismo social dependeria de ambição ou da crença que é superior aos outros, em sociedade de desiguais, plena de conflitos de interesses. Porém, geralmente, esse excesso de otimismo é devido ao viés de autovalidação: pergunta apenas à gente que pensa igual se, de fato, ele é superior aos colegas que pensam diferente dele. Torna-se por auto-atribuição, simplesmente, um esnobe.
Nesse posicionamento ideológico direitista, é comum se adotar o chamado “discurso da competência“, ou seja, sugerir que “não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer ocasião e em qualquer lugar”. Só os “competentes” ou “eficazes”, nas entrelinhas, aquele que está falando e, no máximo, seus pares ou discípulos, podem se pronunciar. Os demais são “incompetentes”…
A direita confia que as desigualdades sociais possam ser diminuídas à medida que se favoreça a competitividade geral; minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual. A esquerda prioriza a proteção contra a competição social. Na escolha entre a competitividade e a solidariedade, enfatiza esta última.
O que define a posição de direita é a idéia de que a vida em sociedade reproduz a vida natural, com sua violência, hierarquia e eficiência. Se os homens são seres biológicos desiguais, devem submeter-se à lei do darwinismo social. Segundo essa concepção, a sociedade mercantil faz também a seleção, neste caso “social”, entre os indivíduos que podem se desenvolver — “os vencedores” — e os que podem apenas sobreviver — “os perdedores”.
A regra de ouro da direita econômica é: quem melhor se adapta ao meio ambiente econômico enriquece, inclusive dando continuidade a sua dinastia. O homem de direita, acima de tudo, preocupa-se com a defesa da tradição e da herança. Já a atitude de esquerda pressupõe que a condição humana é fundada pela negação da herança natural. A sociedade se desenvolve, opondo-se às forças cegas da natureza. Nada mais parecido com o livre-mercado do que a livre-natureza. Quem acredita na essência humana como essencialmente egoísta e imutável é de direita, mesmo sem saber.
Para ter consciência de si, assumindo claramente sua posição política na sociedade, a (re)leitura de Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”, é sempre oportuna. 
Leia mais: Direita X Esquerda por Antônio Prata 





Nenhum comentário:

Postar um comentário